Peep show
Hans Bellmer (1902-1975), La Poupée (detalhe), Paris, Éditions GLM, 1936, gravura (linóleo) sobre papel rosa, 16,7 x 12,8 cmSobre o conjunto de obras de Hans Bellmer sob a designação Die Puppe / La Poupée, ver, sobretudo, The Wandering Libido and the Hysterical Body, de Sue Taylor, para o site do Art Institute of Chicago.
Muita informação também no Centre Pompidou, em La Révolution Surréaliste (a propósito da exposição de 2002) e nos Dossiers Pédagogiques dedicados ao surrealismo.
Na "net", a mais completa coleccção de imagens que conheço sobre a multiforme boneca encontra-se em dolls of hans bellmer - não deixar de visitar os "links", para um relacionamento com práticas contemporâneas nem sempre "artísticas" (mais "links" sobre o tema num "blog" português). Outro material fotográfico de Bellmer no International Center of Photography.
Uma série de "links" relativos a Bellmer em A vocabulary of culture.
Sobre o conceito freudiano de "estranha familiaridade" (Das Unheilmliche), ver La Révolution Surréaliste e o site La Psychanalyse. O texto integral de The Uncanny (Das Unheilmliche) está disponível em inglês. Várias obras de Sigmund Freud encontram-se em Les Classiques des Sciences Sociales, em tradução francesa.
O conto (1814) de E. T. A. Hoffmann que está na origem do texto de Freud e entre as referências geradoras da(s) boneca(s) de Bellmer, está traduzido em inglês, como The Sandman.
Hans Bellmer, fotografia de uma das versões da sua bonecaA boneca, só com os pés vestidos, jaz no chão e é olhada de cima para baixo, torcida e nua, sexo no foco, olhada pelo homem fotógrafo, em pé, vertical. As outras nádegas deste monstro único, mutante, totalmente instrumentalizado pela sexualidade, são expostas pelo espelho. Espelho terrível que impede a fuga para a sombra e o esquecimento, forçando este corpo-artefacto a exibir-se, outra vez, devolvendo-o ao nosso olhar - e tornando o acto de olhar iniludivelmente visível.
Marcel Duchamp, Etant Donnés (detalhe), 1946-1966, Philadelphia Museum of ArtA mulher nua, indecisa entre a morte e a vida (ergue o braço), o sórdido e o heróico (a luz no braço erguido), deita-se, ou foi despejada, numa paisagem bucólica, retalhada pela visão, por natureza fragmentária, que se centra no seu sexo. Espreitamos pela fissura da porta e vemos um exterior. Espreitar a mulher, espreitar para dentro, ver através de (como na perspectiva): das viscerais noivas tetradimensionais de 1912 a este corpo no chão. Sexualidade progressivamente mais óbvia, mais crua, mais sórdida.
Alfred Hitchcock, Frenzy (fotograma), 1972A mulher nua foi despejada no sujíssimo Tamisa, que o discurso da ordem promete limpar. A água não é uma cascata ao fundo. Da indizível violação de Blackmail (1929), elidida por foras-de-campo vários, para a mulher violada, nua, morta. Sexualidade progressivamente mais óbvia, mais crua, mais sórdida.
Alfred Hitchcock, Psycho (fotograma), 1960. Ver pormenor* abaixoA parede revela Norman e a sua relação com Marion: ele é um predador e o contentor habitado pelo fantasma da Mãe, como um mocho empalhado; Marion é a vítima da predação e um animal a retalhar pelo taxidermista, este recepcionista involuntário do vestíbulo entre a vida e a morte - e é, Marion, o objecto do desejo, a ser violado na sua privacidade sem conhecimento, como as mulheres nuas que homens devassam nos quadros. A pintura, a Arte, esconde e revela, "sublima", mas sem conseguir apagar as marcas de uma regressão às pulsões do inconsciente.
Alfred Hitchcock, Psycho (fotograma), 1960O quadro é tirado da parede,
Alessandro Allori, Susana e os Velhos, 1561, óleo sobre tela, 202 x 117 cm, Musée Magnin, Dijonuma qualquer (não esta, de Alessandro Allori) "Susana" atormentada pelos seus "velhos" (entre a violência e o negócio), a ser redimida pela virtude absoluta,
Alfred Hitchcock, Psycho (fotograma), 1960O quadro ausente revela, agora sem transposição, tudo o que fora, até aí, recalcado. Buraco na parede, buraco na porta.
Alfred Hitchcock, Psycho (fotograma), 1960Para espreitar
Alfred Hitchcock, Psycho (fotograma), 1960o inconfessável,
Alfred Hitchcock, Psycho (fotograma - pormenor*), 1960transposto, pela arte, para a esfera da ordem, do "alto", da moral. Nudez e pudor. Desejo e negócio.
Alfred Hitchcock, Psycho (fotograma), 1960O buraco da parede já não transpõe: anuncia o buraco terrível do ralo da banheira que irá escoar a vida de Marion para o vazio, onde o nosso olhar não a pode mais seguir. Contracampo ontológico do buraco na parede, através do (como na perspectiva) qual o olho via: vazio absoluto, sem luz, sem visão, sem existência. Buraco na horizontalidade do fundo da banheira (conduzindo a um fundo mais fundo), visto do alto vertical da câmara de filmar.
Alfred Hitchcock, Psycho (fotograma), 1960O buraco devolve-nos o olho: mas não o olhar. Olho morto.
Alfred Hitchcock, Psycho (fotograma), 1960O olho vertical substitui o ralo horizontal, assim como o eixo vertical de visão é substituído pelo eixo horizontal, junto ao chão - baixo, "baixa" matéria, dejecto, lixo a limpar pelo obsessivo e cauteloso Norman. A câmara não pode senão afastar-se. Não há caminho redentor. O regresso do automóvel de Marion, no último plano do filme, não recupera nada, não repõe nada: é o regresso de um cadáver. Lixo. O lixo do que fora uma mulher em busca de redenção, do que fora juventude, do que fora riqueza (e crime: o dinheiro roubado por Marion).
Etiquetas: Bataille, Bellmer, Bibliografias, Cinema, Duchamp, Freud, Hitchcock, Hoffmann, Links, Surrealismo, Teoria, Voyeurismo
2 Comments:
Penso que o filme está todo no Youtube por partes. É esta a banda sonora do DVD?
http://www.youtube.com/watch?v=lDXgcBQVJCw&mode=related&search=
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HRC, at 17/5/07 09:48
Confundiu-me com o filme: creio que se refere ao "Homem da Máquina de Filmar", que começámos a ver na aula de ontem. A banda sonora do exemplo que refere no YouTube é da Cinematic Orchestra, não é nenhuma das referidas ontem: a da minha cópia é da Alloy Orchestra - a outra mencionada é de Michael Nyman.
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otipodashistórias, at 17/5/07 12:18
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